(Por Rodrigo Passos)

São diversas as demandas judiciais envolvendo contas-correntes, discutindo-se principalmente a incidência de juros capitalizados mensalmente no famigerado “cheque especial”. Um dos pontos de divergência se dá pela interpretação e aplicação do art. 354 do Código Civil:

Art. 354. Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital”. (Grifo Meu)

Efetuando a simples leitura do artigo da lei reproduzido acima, sustenta-se que efetuando o cálculo que rechaça os valores cobrados a título de capitalização composta, todos os valores a crédito insurgidos na conta corrente devem obrigatoriamente ser imputados para o pagamento dos juros. No entanto, podemos observar no artigo em discussão que o mesmo permite, ainda que de forma abstrata, que o crédito possa ser utilizado para amortizar o capital que os originou.

Na prática não existem lançamentos denominados “pagamento de juros” ou similares e desta forma o banco não utiliza os créditos para pagamento dos juros em primeiro lugar, ao contrário, imputa o pagamento para abater o capital originário, pois os valores são creditados diretamente na conta corrente de acordo com a segunda parte do artigo 354 do Código Civil. Dessa forma, tal rotina ocorre por procedimento contábil, ou seja, o banco não trata de forma individualizada a parcela de juros e o capital originário, existindo apenas o saldo unificado na conta corrente.

Nos casos práticos, para contabilmente utilizar-se da imputação, o credor não pode lançar os juros vencidos na base de cálculo do capital que o originou, ao invés disso, deve mantê-lo separadamente do capital.

A manutenção em separado dos juros ‘vencidos’ para viabilizar a ‘imputação’ em seu pagamento, decorre do mais básico conceito da ciência contábil: a diversidade de natureza de capital (principal) e juros (acessório).

No caso, depois de lançados os juros na própria base de cálculo que os originou, não é mais possível imputar os futuros créditos em seu pagamento, porque ao serem contabilizados na base de cálculo, os juros deixam de existir como ‘juro’, perdendo sua natureza acessória diferenciada do capital que o originou, bem como, a condição de valor ‘vencido’ e ‘líquido’.

Isso se evidencia porque, se ainda ostentassem a condição de ‘vencidos’ após lançados na base de cálculo, tais valores viriam a sofrer incidência de juros moratórios, o que não acontece. Ao contrário, esses valores integrados no saldo, sofrem incidência de novos juros remuneratórios nos períodos seguintes, eis que já contabilizados pelo banco como capital mutuado, gerando assim o anatocismo (cobrança de juros sobre juros).